Recentemente, entrou em vigor a Lei n. 14.382/2022, que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP). Tal sistema tem como finalidade central viabilizar o registro público eletrônico dos atos e negócios jurídicos, o que, por conseguinte, promove a modernização e simplificação dos procedimentos relativos aos registros públicos, bem como dos atos e negócio jurídicos de que tratam a Lei das Incorporações Imobiliárias e a Lei dos Registros Públicos (Lei n. 4.591/1964 e Lei n. 6.015/1973, respectivamente).

Com a sua entrada em vigor, a Lei 14.382/2022 possibilita a inserção de determinados processos e procedimentos administrativos da Administração Pública na era digital. Trata-se do chamado “efeito da sociedade em rede”, em que o Estado brasileiro se direciona para colocar fim na utilização de meios físicos e fazer com que os contribuintes, para localizarem a Administração, não precisem mais buscar o CEP da rua ou da avenida, mas sim começar a sua busca com “www.” em um navegador de internet.

A lei não se limitou apenas na criação do sistema eletrônico de registros públicos, mas fez também importantes alterações e revogações em 13 leis ordinárias e no Código Civil. Tais alterações também trouxeram reflexos na esfera tributária.

Dentre vários pontos, destaca-se a inclusão do parágrafo 3º do art. 31-E, da Lei 4.591/1964, que impede a extinção do regime especial de tributação do patrimônio de afetação, aplicável às incorporações imobiliárias, instituído nos termos da Lei 10.931/2004, na hipótese de averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento.

Para melhor compreensão na prática da alteração legislativa, faz-se prudente analisar os conceitos contidos nas expressões (a) regime especial de tributação; (b) incorporação imobiliária; e (c) patrimônio de afetação.

Em primeiro, regime especial consiste em uma forma diferente de tributar a operação em relação aos demais contribuintes, isto é, aquele que se beneficia de um regime especial recolhe a carga tributária na forma, prazo ou alíquota de maneira diferenciada da regra geral a qual é submetida para os demais contribuintes, sempre de modo mais vantajoso para estimular a realização da atividade empresária. Em termos práticos, o contribuinte que se beneficia do regime tributário especial, para constituição de patrimônio de afetação na incorporação imobiliária, recolhe o equivalente à 4% da sua receita mensal para o pagamento de todos os tributos incidentes na operação, nos termos do art. 4º, da Lei n. 10.931/2004, em pagamento mensal único.

Em segundo, incorporação imobiliária, conforme preleciona o parágrafo único do art. 28, da Lei 4.591/1964, consiste na atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para venda parcial ou total, de edificações ou conjuntos de edificações compostas de unidades autônomas. Trata-se, portanto, da atividade de construir imóvel que será futuramente dividido em mais de uma matrícula, ou seja, mais de um proprietário. A título ilustrativo, tem-se a construção de edifício residencial de 4 andares com 2 apartamentos por andar.

Em terceiro, patrimônio de afetação, também nos termos da Lei 4.591/1964 (art. 31-A e seguintes), diz respeito ao terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, serão mantidos de forma autônoma do patrimônio do incorporador, isto é, o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do incorporador. Assim sendo, ao se criar um patrimônio de afetação para incorporação imobiliária, desvincula-se o patrimônio afetado das obrigações, direitos e deveres do incorporador até a sua desafetação.

Desse modo, compreendido os conceitos das expressões supra, observa-se que a alteração legislativa que incluiu o parágrafo 3º, no art. 31-E da Lei 4.591/1964, admite que as incorporadoras retirem do patrimônio de afetação o imóvel adquirido pelo proprietário e efetivem a respectiva transferência do bem imóvel a qualquer tempo, sem, contudo, acarretar a perda do regime especial de tributação concedido para o restante do patrimônio afetado.

Tal permissivo legal também produz efeitos naquela denominada “venda de estoque”. Trata-se da hipótese em que, após a construção do empreendimento imobiliário, a incorporadora não conseguiu realizar a venda de todos os imóveis, criando o chamado “estoque imobiliário”. Antes da entrada em vigor da Lei 14.382/2022, os imóveis que fossem vendidos após a construção do empreendimento não se sujeitavam ao regime especial tributário, devendo o contribuinte recolher integralmente o tributo devido. No entanto, com a recente mudança legislativa, agora é possível também realizar o pagamento de alíquota reduzida para a denominada venda de estoque.

Em outras palavras, o tributo incidente sobre o imóvel (mercadoria) incidirá segundo as regras vigentes na data da “produção” e não da venda. Ainda que o fato gerador seja posterior ao encerramento do patrimônio de afetação, sob o ponto de vista tributário há a aquisição do direito de ofertar a tributação o bem que integrar o estoque da incorporadora segundo as regras da data da formação do estoque (produção) e não da venda efetiva, que será o fato gerador para o pagamento do tributo.

Em termos práticos, a incorporadora que não conseguir realizar a venda de todas as unidades imobiliárias até o término da construção do empreendimento poderá ser tributada à alíquota reduzida para os imóveis sobressalentes, ainda que o regime do patrimônio de afetação esteja extinto pela conclusão da obra.

Assim, ocorre uma verdadeira pós-eficácia do regime do patrimônio de afetação, mantendo os efeitos tributários do regime sobre o estoque das incorporadoras, o que auxilia na composição dos custos, já que a incorporadora não terá pressa em vender ou “liquidar” imóveis, pois poderá aguardar o momento mais adequado do mercado, já que assegurou o direito de tributar o bem segundo o regime especial objeto deste artigo.

A norma tem especial sentido em razão do longo período de produção de um imóvel, bem como do longo ciclo de comercialização do mercado imobiliário, facilitando a estabilidade dos preços e, consequentemente, um melhor planejamento econômico e estabilidade para as empresas do setor.