A Lei n. 14.382, de 27 de junho de 2022, originada pela Medida Provisória n. 1.085 de 27 de dezembro de 2021, consolidou relevantes alterações no campo do Direito Imobiliário. A referida Lei teve, em sua origem, objetivo primordial de criação do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), a partir do qual será possível o registro de forma virtual e o intercâmbio de informações de Registros Públicos de todo o Brasil. A despeito de estrela polar da Lei ter sido a modernização do sistema cartorário, a referida norma introduziu relevantes modificações no regime das incorporações imobiliárias.

A Lei em análise consolidou as alterações introduzidas pela MP n. 1.085/2021 e alterou diferentes artigos da Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei n. 4.591/1964) referentes ao patrimônio de afetação (art. 31-E), ao memorial de incorporação (art. 32), ao registro da incorporação (art. 33), às negociação das unidades (art. 43), às obrigações da incorporadora (art. 44), à comissão de representantes (art. 50) e à alienação de lotes ou loteamento (art. 68). Como visto, diversas foram as alterações realizadas na matéria das incorporações imobiliárias, merecendo algumas destaque especial em razão da sua relevância prática para o dia a dia das incorporadoras.

Nesse sentido, quanto ao patrimônio de afetação, não é mais necessária a averbação específica para fins de cancelamento do patrimônio de afetação referente a uma unidade negociada, bastando a averbação da construção, o registro do contrato ou promessa de compra e venda e termo de quitação da instituição financeira da construção (art. 31-E, §1º).

Outra alteração relevante é que a extinção do patrimônio de afetação relativamente às unidades autônomas negociadas não resultará na automática extinção do RET (regime especial de tributação) concedido em razão do patrimônio de afetação do empreendimento (art. 31-E, §3º).

Quanto ao memorial de incorporação, este agora deve ser composto, além dos documentos já listados no art. 32 da Lei n. 4.591/1964, por instrumento de divisão do terreno em frações ideais autônomas com sua discriminação e descrição (art. 32, alínea ‘i’) e pela minuta da convenção de condomínio do futuro empreendimento (art. 32, alínea ‘j’). Além disso, retirou-se o atestado de idoneidade financeira da lista de documentos que devem compor o memorial de incorporação (art. 32, alínea ‘o’ revogada), o que facilitou, consideravelmente, os atos registrais e os aproximou da realidade das incorporadoras.

Com a alteração legal, considera-se que, com o registro do memorial de incorporação, a incorporadora e os futuros adquirentes possuem liberdade de disposição e oneração das frações ideais independentemente da anuência dos outros condôminos (art. 32, §1º-A). Além disso, esclareceu a Lei que tanto o registro do memorial de incorporação quanto a instituição do condomínio sobre as frações ideais serão realizadas no mesmo ato registral (art. 32, §15).

Outro aspecto elucidado pela alteração legal foi o momento de concretização da incorporação imobiliária. Se antes restavam dúvidas acerca do tema, agora a Lei n. 4.591/1964 é clara ao estabelecer que a incorporação imobiliária é efetivada com (i.) a formalização da alienação ou da oneração de unidade futura, (ii.) a contratação de financiamento para a construção ou (iii.) o início efetivo das obras (art. 33).

Além disso, o mesmo dispositivo legal determina que, para negociar unidades, a incorporadora deverá atualizar as certidões e documentos com prazo de validade vencido se após o prazo de 180 dias do registro a incorporação ainda não tiver sido efetivada por um dos atos recém mencionados (art. 33). Enquanto não concretizada a incorporação, os documentos deverão ser atualizados a cada 180 dias (art. 33, § único).

Em relação à comissão de representantes da incorporação, a reforma legal instituiu prazo para a formação da comissão. Dessa forma, esta deve ser designada no contrato de construção ou eleita em sede de assembleia geral no prazo de até 6 meses contados do registro do memorial de incorporação, devendo ser formada por, no mínimo, 3 membros eleitos pelos adquirentes (art. 50). Antes da alteração, a ausência de prazo para formação da comissão de representantes, muitas vezes, desencorajava a constituição da comissão, afastando os adquirentes da incorporadora.

É importante destacar que reforma legal também estabeleceu que a comercialização de terrenos vinculados à construção de casas isoladas ou geminadas configura modalidade de incorporação que se sujeita à Lei de Incorporações Imobiliárias (art. 68).

As modificações introduzidas pela Lei n. 14.382/2022 também atingiram o art. 237-A da Lei de Registros Públicos (Lei n 6.015/1973). Assim sendo, positivou-se a possibilidade de abertura de matrículas para as futuras unidades autônomas após o registro do loteamento ou do memorial de incorporação (art. 273-A, §4º).

Como visto, a Lei n. 14.382/2022 trouxe significativas alterações para o regime das incorporações imobiliárias no Direito brasileiro. Embora, em seu âmago, o espírito da Lei tenha sido a criação do SERP e a modernização do sistema cartorário brasileiro, a Lei das Incorporações Imobiliárias foi alvo de respingos que muito lhe beneficiaram. Com a reforma normativa, tem-se um regime de incorporações imobiliárias mais transparente, acessível e compreensível a todos os envolvidos na incorporação imobiliária, sejam as próprias incorporadoras, os adquirentes e os registradores.